Nelson, o último dos sagazes.


Nesse post trago uma entrevista do grande e consagrado cantor brasileiro, Nelson Gonçalves.

Nelson era um cara irreverente, de personalidade forte, e voz extremamente marcante.

Nessa entrevista ele fala um pouco de cada fase de sua vida, mostrando um pouco de seu jeito de ser, de lidar com a música e do que pensa sobre a música de outros.


Essa entrevista foi feita em setembro de 1997, um ano antes de seu falecimento e logo após o lançamento de seu álbum “Ainda é cedo”, somente com músicas de bandas de rock brasileiras dos anos 80, como versões de sons do Cazuza, Legião Urbana, Barão Vermelho, etc.



O entrevistador foi Rodrigo Teixeira. Segue a entrevista na íntegra:


Rodrigo Teixeira - Qual foi o critério de seleção das músicas do CD?


Nélson Gonçalves - Já conhecia as músicas. E achei bom gravar estas músicas com a minha divisão musical. Valorizo muito as tônicas. Não dou as notas dissonantes. Vou pelo lado natural. Achei que podia fazer bonito com estas canções. Porque muitas músicas que eles fazem, estes rocks e tal, a gente não entende a letra. As palavras escapam. Você não entende. Então quis fazer uma alteração leviana, minha, com os instrumentos em segundo plano e o coro só pontuando as notas. Gravei só com um terço da minha voz. Tudo bem, ficou suave. Lindo de morrer.

Você grava de prima?


Gravei todas as músicas de prima. Não dá para repetir não. Ouviu uma, grava na outra.

Durante as décadas de 70 e 80 você regravou muitos sucessos seus. Por que só agora resolveu fazer um disco totalmente diferente do que tinha feito?


Porque tem o seguinte. Havia grandes cantores no Brasil. Chico Alves, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Vicente Celestino, Silvio Caldas... Mas eles morreram. E parece que só restou eu. Aquela época de ouro dos cantores. Então, com esta invasão, vamos dizer assim, no bom sentido, do rock, do pop, desta coisa toda, do reggae, que todo mundo canta, as moças cantam, eu, pra não ficar fora desta coisa, embora o Brasil hoje não seja um país só de jovem, ta quase dividida a população, achei bom misturar isto daí e juntar as duas gerações, terceira idade e jovem. Então escolhi as músicas com o Robertinho do Recife. As tônicas estão todas certinhas. Não diz saudadi, diz saudade. Não diz rosá, diz rosa. Não diz casá, diz casa. Foi a primeira vez que trabalhei com ele. É um bom produtor. Novo. Ele me ouviu muito. Nos reunimos antes. Disse para ele que queria um som como se fosse dentro de uma igreja vazia. Fica um som no ar. Não é um som sentado.

Qual a sua preferida do CD?


Não posso falar, senão vou machucar os outros (risos).

Ano passado fizeram uma peça em sua homenagem. O que achou daquilo?


Achei boa. Faltam alguns detalhes importantes, mas…

Por exemplo?


Não vou dizer para não machucar o rapaz (risos).

Tem alguma cena que você viu, que te tocou?


Não, sabe por quê? Na peça que ele passa para mim, solo e tal, e eu sou um pouco irreverente. Não mal criado, irreverente. Digo não, sim. Deram uma lapidada na pedra bruta. Mas ficou bom.

Em 60 anos de carreira, quais os momentos que mais te marcaram?


Comecei a cantar em 1937. Minha emoção maior foi o meu primeiro disco. Quando ouvi meu primeiro disco. Fiquei pensando: “Eu canto bem”. Havia aquelas vitrolas que você colocava as moedas para tocar as músicas, voltava para casa sem um níquel porque colocava na vitrola para tocar. Quando acabei de ouvir o disco, foi uma emoção. Muito bonito. Foi aí que lancei um ritmo novo: o samba sincopado (demonstra tocando). Nasceu comigo. A divisão é difícil de fazer. E depois foi em 73 e 74, quando recebi o prêmio Nipper (aquele do cachorrinho beagle do gramofone), da RCA, que só tem dois no mundo. Um o Elvis Presley e o outro eu. Veio ao Rio o presidente da RCA americana, especialmente para entregar o prêmio. Pelo tanto de anos e de vendagem de disco.

Qual a sua marca?


Já vendi 78 milhões de discos. Gravei 127 LPs, 26 CDs, com este 27, 200 compactos duplos, 200 compactos simples, 200 fitas cassete, e 103 discos 78 rotações, como era antigamente.

Depois de tudo isso tem algum projeto que você ainda queira fazer?


Vou gravar um CD com rock, pop, reggae, samba. O próximo. Vamos misturar a música tradicional minha com a dos jovens novamente.

Gravar atualmente é mole perto do início de sua carreira…


Antes a gente gravava com dois canais e o veículo era o rádio. Em algumas rádios tinha um cara que via o meu disco e riscava. Boicote. Um compositor chamado Nilton de Oliveira.


Como você analisa estes compositores atuais? Não existe mais da estirpe de um Ataulfo Alves, Lupicínio Rodrigues... Atualmente faltam compositores nesta linha do bolero…


Hoje ficou muito mais fácil. Antigamente você queria pegar uma mulher para transar você tinha que namorar, levar para dançar. Hoje em dia não. Você pode ficar com três, quatro na mesma noite. Então está fácil demais. E é por isso que está assim. Qualquer um compõe.

Você não gosta da música atual?


Ta aí a dança do tchan. A dança da bundinha. Daqui a pouco vão fazer a dança da bucetinha, vocês vão ver…

De todos os compositores, qual caia como uma luva para a sua voz?


Lupicínio Rodrigues.


Você apontaria um herdeiro musical desta sua escola, que realmente cante de verdade?


Sou o último dos Moicanos. Gostaria que tivesse, mas é muito difícil, porque sou baixo-cantante, pego três oitavas. É muito raro…

Você chegou a estudar música. Você lê partitura?


Sim, leio. Estudei voz com o Zebolati e música com Moacir Santos.

Você gravou com muita gente que seriam seus filhos musicais neste CD. Você se surpreendeu com eles quando foi gravar?


Tive surpresas sim, mas não foram agradáveis. Eles pensavam uma coisa: vamos cantar com o velho, chegaram lá e a coisa foi diferente. Teve um cantor que disse assim: 'Vê o tom do velho aí que eu canto'. Eu falei pro maestro vê o tom dele que canto igual. Começamos a cantar e ele não conseguiu acabar a música… Parece que estava com diarréia. Um famoso cantor de boné… O meu horário de trabalho é nove horas da manhã. Acordo, gravo e, no outro dia, está pronto o LP. Tem gente que grava uma música por um dia, repetindo, repetindo… Gravei este disco doente, de cama. Tive uma isquemia no miocárdio. Mas foi fácil gravar.

Qual a que você mais gostou?


Para mim todas foram boas. Os cantores que foram ouvir lá choraram. Ta passando mal? Não, Nélson, é emoção. É a música que eu fiz, que coisa. Lágrimas. Que é isso? (risos)

Logo que surgiu a bossa nova você fez aquele disco 'Nós e a Seresta'. Tinha uma música chamada 'Seresta Moderna' que você brincava com o pessoal da bossa nova. Dez anos depois, você gravou Tom Jobim. Com o tempo o senhor deu mais valor ao pessoal da bossa nova?


Daquela época, me aponta um que ficou…

João Gilberto.


(agitado) Ele canta alguma coisa? Não canta nada. Tom Jobim foi um compositor excelente. Vinícius de Moraes.
Mas cantando, tchuntchuntchun…


Na bossa nova inaugurou-se um novo jeito de cantar, baixinho...


Sabe como era o apelido do João Gilberto? Fim de Noite. Era ele com o violão!

Depois da bossa nova qualquer um começou a cantar?


O culpado disso é o João Gilberto. O Diminuto. Cantar sem voz. (Imita João Gilberto… risos) 'Saudade que você não tem… Passa comigo que você vai ver… hum, hum, hum'… Amplia, bota som… Puta que pariu! Imagina ele na cama com uma mulher? (Imita de novooo!!!) ‘Meu amor, ai que gostoso’… Ah, vai para o raio que te parta! Eu não sou assim não. Eu sou agressivo, sem bater. Amorosamente. Vem cá, me dá aqui!!!?

Quais os lugares que você freqüentava no Rio de Janeiro nos anos 50?


Os piores. A Zona, na Sapucaí, na Lapa… Não se via assalto. O submundo era bem menos barra pesada.

Você saiu do Sul com quanto tempo?


Com dois anos. Fui para São Paulo, onde morei no Brás. Mas o Adoniran começou comigo a vender anúncio para a Rádio Record. Eu ralei um bocado.

Qual o conselho que você daria para um jovem que está começando uma carreira?


Tem que receber o não como sim. E vá em frente. Tive no Rio e fiz teste, sendo cantor profissional em São Paulo. Cantei na Marink Veiga, na Rádio Nacional, no Celso Guimarães, Ipanema… Só ouvi ‘não gostei’. O Ary Barroso me mandou jogar boxe que ‘eu não cantava nada’. Se for um qualquer, desiste. Mas fui à luta! E depois que fiz sucesso, ele veio falar que ‘estava brincando’. Aqui para você!!!

As letras de sambas-canções tinham muito aquela coisa de você mudou de dono... Como avalia as letras hoje?


Eles falam da mulher indiretamente. Dizia ainda é cedo. Uma menina me falou. Não falam o nome da mulher, mas falam da mulher. Indiretamente e branda. A minha maneira é mais: ‘Vamos lá’… Eles falam, ‘você é linda’ e eu, ‘você é gostosa!’ Acho que as coisas mudaram para melhor, embora haja um avanço meio inoportuno para a atual infância. A criança está ficando adulta muito cedo. Dança da bundinha para lá e para cá… Cresce como? P-U-T-A. Isso que é o mau. Mas vai ter uma virada. Uma suavizada.

Você ainda compõe?


Sim. Tem até um verso, que chamo de “Esquerdo do Amor”. Tem o lado direito do amor, que é o cara casado, direito, correto, trabalha, chega em casa tem a mulher, não tem amante na rua… E tem o lado esquerdo, que é aquele cara que prevarica na rua, dorme na rua… É o Esquerdo do Amor: “MENTI, E COMO CONSEQUÊNCIA PERDI, TEU AMOR E TUA INOCÊNCIA. SOU AGORA UMA SAUDADE ESQUECIDA, UMA LEMBRANÇA PERDIDA, EU SOU O VAZIO QUE FICA DEPOIS DO AMOR, EU SOU O TÉDIO, O ÓDIO E O DESPEITO, SOU TUDO O QUE NÁO É DIREITO, EU SOU O ESQUERDO DO AMOR”.

Alguma vez você foi o Esquerdo do Amor?


Fui. Olha esta aqui. “SERÁ QUE VOCÊ MENTIA, NO TEMPO QUE ME DIZIA, EU NÃO VIVO SEM VOCÊ, OU É AGORA QUE MENTE, QUANDO PASSA INDIFERENTE, FINGINDO QUE NÃO ME VÊ”. Olha, eu tenho segundo grau!

Quando é que você começou a sossegar este lado esquerdo do amor?


Sossegar? Fui casado quatro vezes. Tenho 78 anos de idade, mas eu tenho... Eu tenho 22cm de pau… Tenho um tesão filha da puta. Canto com um tesão do caralho. (Olhando para baixo, em direção da prótese) Não posso ir à piscina. Por causa do volume. Parece uma cartucheira 45.



* Nelson se chamava Antônio Gonçalves. Ele nasceu no dia 01 de junho de 1919 em Santana do Livramento (RS) e faleceu em 18 de abril de 1998 no Rio de Janeiro.


* Entrevista concedida ao extinto caderno cultural Cult Press, da agência carioca Carta Z Notícias.



"Este país não tem memória.
Alguém sabe quando morreu Chico Alves?
É por isso que quero ser cremado:
pra ninguém fazer xixi na minha campa"




Faixas do álbum "Ainda é cedo":


1 - Como Uma Onda (Nelson Motta/Lulu Santos)
2 - Faz Parte do Meu Show (Renato Ladeira/Cazuza)
3 - De Mais Ninguém (Marisa Monte/Arnaldo Antunes)
4 - Meu Erro (Herbert Vianna)
5 - Ainda é Cedo (Ouro Preto/Renato Russo/Dado Villa-Lobos/Marcelo Bonfá)
6 - Você é Linda (Caetano Veloso)
7 - Bem Que Se Quis (Pino Danielle/versão Nelson Motta)
8 - Caso Sério (Rita Lee/Roberto Carvalho)
9 - Nada por Mim (Herbert Vianna/Paula Toller)
10 - Simples Carinho (João Donato/Abel Silva)
11 - Estácio, Holly Estácio (Luis Melodia)
12 - Me Chama (Lobão)





Fontes:


Post original da entrevista: Overmundo - Entrevista Nelson Gonçalves


Sobre Nelson: Mpbnet, Wikipédia


Perfil de Rodrigo Teixeira: Overmundo - Rodrigo Teixeira

Comentários

Anônimo disse…
Nelsonnn hules...
aki no churras de familia se n tocar um Nelson na viola..
Não churras em familia...kkkkkkkkkkk
Dan Silva disse…
kkkkkkkkkkkkkkkkk

Po, Ci, aí ele deve ser mais famoso ainda, por ele ser sulista, talvez, kkkkkkkkkkkk.
Nelsão na cabeça, o cara era True, kkkkkkkkkkk, não sabia que era costume rolar sons dele no churras, kkkkkkkkkkk

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